Um dos assuntos mais tabu no BDSM é o amor do Dominador.
Ao contrário de outros assuntos que também são tabu, este é tão temido que raramente é discutido. Mas por que falar do amor do Dominador é tão difícil?
Para compreendermos essa dificuldade, é necessário analisar algumas raízes profundas desse tabu.
Os motivos podem ser muitos, passando por temas lamentáveis como tops casados que escondem o BDSM da família ou pessoas que veem as relações BDSM como descartáveis e secundárias à “vida de verdade”. Eu vou pontuar aqui três motivos legítimos de preocupação com o problema do amor do Dominador:
1º A fragilização do amor.
O motivo mais temido pelos próprios Dominadores é o fato de que o amor fragiliza. Ele não fragiliza somente o Dominador; ele fragiliza o ser humano.
Isso acontece porque quem ama teme perder. E, quando você teme perder, está mais sujeito a cometer erros, a fazer concessões que talvez sejam indevidas. Nesse sentido, o amor, no caso do Dominador (ao contrário do que acontece com a submissa), vai exigir Dele um autodomínio muito maior, que talvez só seja possível ao Dominador puro.
Se você acha que isso é exclusividade dos Dominadores, eu quero convidá-lo a refletir sobre um exemplo.
Os médicos cirurgiões são fortemente desaconselhados a operar os seus entes queridos. Isso se deve ao fato de que se sabe que um cirurgião, ao operar alguém que ele mesmo ama, tem maior probabilidade de cometer erros médicos, de ter a sua imparcialidade comprometida ou de tomar decisões clínicas inapropriadas.
Semelhantemente, um Dominador sério e que tenha autoconhecimento sabe que terá infinitamente mais dificuldade em manter a objetividade quando julgar uma submissa que Ele ama.
E é exatamente por isso que muitos Dominadores mais frágeis em seu domínio temem se permitir amar.
2º O medo de parecer baunilha.
Baunilha é o termo utilizado dentro da comunidade kinky para aquele que não pertence à comunidade.
Justamente por isso, baunilha é um atributo de pessoa e não de atividade ou de sentimento.
Enquanto a autoridade se mantém nas mãos do Dominador, não importa o que esteja sendo feito: a relação de Domínio, a hierarquia e, por conseguinte, a Dominação se mantêm. Não importa se você está batendo, amarrando, conduzindo ou se você está simplesmente jantando ou indo ao cinema; enquanto a autoridade está mantida e enquanto essa autoridade for erotizada, essa relação é uma relação de Dominação e submissão.
Não importa o que você estiver sentindo, não importa o que você estiver fazendo: mesmo se você estiver amando, que talvez seja o sentimento mais intenso que é possível ao ser humano, ainda assim, enquanto se mantém a relação de autoridade e essa autoridade se mantém erotizada, isso permanece sendo uma relação de Dominação e submissão.
Por outro lado, existem muitos tops que utilizam da desculpa de o amor ser um sentimento baunilha para manter relações meramente utilitárias com submissas que, essas sim, anseiam pelo amor de um Dono; para justificar uma relação que serve unicamente para exaltar egos muitas vezes frágeis ou para compensar o seu fracasso na vida que realmente lhes importa.
3º A complexidade do amor nas relações poligâmicas.
Há quem creia que é possível amar duas pessoas ao mesmo tempo; há quem creia que não é.
Eu, pessoalmente, creio que é possível amar intensamente mais de uma pessoa ao mesmo tempo, porque eu mesmo já vivi essa experiência.
Por outro lado, eu não acredito em amores iguais. Nem do homem pela mulher, nem da mulher pelo homem, nem mesmo da mãe pelos filhos.
Eu mesmo já ouvi mães protestando que amam todos os filhos da mesma forma. Contudo, todos fomos filhos de alguém, e, nesse contexto, pergunto: você realmente acredita ter recebido o mesmo amor e tratamento que seus irmãos?
Amores são sempre sentimentos únicos e, por isso mesmo, não existem amores iguais.
Você pode me perguntar: “Mas não é a obrigação do Dominador tratar todas as submissas de maneira igual?” E eu vou te responder: “Não, não é nem obrigação nem uma possibilidade real.”
É impossível que, em uma relação humana real, duas pessoas sejam tratadas igualmente. É obrigação dos Dominadores (e dos pais) buscar tratar as suas submissas (e os seus filhos) com Justiça. Buscar oferecer um conjunto de condições estável e equilibrado no qual se possa construir uma relação saudável e harmoniosa. Mas igualdade, igualdade é fantasia.
Dito isso, é claro que, além dos aspectos objetivos da submissão, a intensidade do amor envolvido também vai marcar a intensidade de cada D/s, sejam elas monogâmicas seriais ou poligâmicas.
Por isso eu insisto: é, sim, possível amar mais de uma submissa ao mesmo tempo, mas, não existindo amores iguais, não existindo entregas iguais, não existindo pessoas iguais, claramente não existem D/s iguais.
Quando se vive uma relação múltipla, onde algumas das submissas são muito mais dedicadas à sua entrega ou existe um amor exageradamente desigual, essas diferenças, quando não bem compreendidas e administradas, podem de fato causar desconforto na estrutura das relações.
Isso pode dar a sensação tanto àquela submissa menos entregue quanto àquela menos amada de um ambiente desconfortável. Mas é importante lembrar que ela sempre tem o direito de escolher sair ou permanecer, visto que, à parte desse desconforto, uma D/s múltipla apresenta muitas vantagens.
O que a maioria das submissas se esquece é que, ao optar por uma relação com compromisso monogâmico, quando surgir uma submissa mais apaixonante, dedicada, jovem ou simplesmente temporariamente mais sedutora que ela, corre o sério risco de ser enganada ou simplesmente trocada sem que ela mesma tenha qualquer escolha, não tendo, desta forma, o direito de decidir se prefere ficar ou sair.
Depois de tanta reflexão pesada, permitam-me encerrar este texto com uma nota mais leve e positiva apontando pelo menos uma vantagem de se ter um Dono que ama:
Você nunca vai encontrar um Dominador mais dedicado em cuidar das suas D/s, em proteger e orientar as suas submissas, do que um homem que ama. Um homem que ama de verdade! Só um homem que ama de verdade é realmente capaz de viver uma relação com a intensidade que pode satisfazer as fantasias mais profundas de uma submissa.
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